sexta-feira, 7 de outubro de 2022

"Pandemias: como as doenças mudaram a História" - Nas Tramas de Clio

Publicado por Caroline Dähne em

Em tempos de expansão do vírus Covid-19, muita gente tem se perguntando como passamos por outras pandemias em diferentes períodos históricos. Assim, atualmente não se fala em outra coisa, e a cada dia novos textos vem surgindo explicando sobre a doença e muitas outras.
Sabemos que o tema vem sido discutido exaustivamente, então nossa ideia de abordagem vem a partir de questionamentos que nossos alunos tem nos feito. Trazendo também dicas de como abordar alguns desses temas em sala de aula.
Post do Instagram com o título da publicação: Pandemias.
Pandemias e a História

A relação entre as doenças e os rumos da História mundial são constantemente debatidos academicamente, mas, com exceção de algumas epidemias específicas, o tema não é muito trabalhado em sala de aula.

Qual seria então a importância de perceber a relação entre as doenças e a História?

A doutora em medicina Rita de Cássia Barradas Barata em um artigo publicado na revista caderno de Saúde Pública, explica que quando vamos analisar uma epidemia é importante entender o seu contexto. Segundo ela, os surtos epidêmicos sempre estiveram presentes na história humana, mas eles se intensificam em alguns momentos específicos. Um exemplo da relação entre as pandemias e o contexto citado por ela, é o surgimento de mais doenças no final do século XIX e XX em decorrência da expansão imperialista das potências europeias e dos EUA.

Nesse sentido, isso ocorre, principalmente, em tempo de crises sociais ou mudanças nos modos de produção de determinada sociedade. Ainda segundo a autora, existem dois importantes vieses para analisar uma epidemia do ponto de vista histórico: o conhecimento que determinada sociedade tinha sobre o fenômeno e as formas que o Estado atuou nesse período.

Ao longo da História

A forma como uma sociedade reage em tempos de pandemias reflete muito sobre ela. Uma das principais diferenças nessas reações está relacionada com o conhecimento médico.

O médico Stefan Cunha Ujuari, mestre em doenças infecciosas pela Unifesp e autor do livro “A História da Humanidade contada pelo vírus”, aponta que antes do desenvolvimento da medicina microbiana no século XIX, a falta de conhecimento científico fazia com que as pessoas acreditassem que a sua causa estava ligada à castigos divinos, bruxarias ou ações demoníacas.

Além da relação com a superstição, o autor também salienta a relação da doença com o contexto em que ela se desenvolveu. Para ele, as conquistas territoriais, as guerras e a expansão do comércio contribuíram para espalhar vírus e bactérias para outros lugares do mundo. Conforme ele salienta na frase em que diz que os “microrganismos foram globalizados pelo homem”.

Medicina X Superstições

As práticas de confinamento dos doentes como estratégia para conter a proliferação das doenças só começou no século XVIII, antes disso a prática já podia ser verificada em alguns locais e períodos diferentes, mas não com o aspecto de política com entendimento sanitário.

É no final da Idade Média, com o surgimento das Universidades, que o conhecimento médico ocidental passa por mudanças e vai, aos poucos, deixando o aspecto supersticioso de “castigo divino”. Nesse período, surge então o conceito de epidemia, que designa a elevação dos casos de determinada doença de forma brusca em um local específico como uma cidade, estado ou país. Quando a dimensão, de quantidade e espaço, se eleva a nível de continentes ou até mesmo global, essa epidemia que se espalhou passa a ser chamada de pandemia.

Na passagem do século XIX para o XX, a criação das vacinas revoluciona o modo como as sociedades tratam seus doentes, gerando então a prática da imunização em massa.
Pandemias: uma nova a cada 100 anos?

Na última semana, uma postagem do twitter criou uma nova teoria da conspiração: que a humanidade é acometida por uma pandemia nova sempre na década de 1920 de cada século. Veja a imagem abaixo:
Como pode-se perceber, essa única publicação teve mil compartilhamentos, fora sua reprodução em outras redes sociais. E aí diversas pessoas começaram a se questionar se o que a publicação falava era real.

Embora a publicação utilize doenças que realmente tiveram um grande número de mortalidade ao longo tempo, o erro está justamente nisso, o tempo. A maioria das datas que estão ali descritas estão incorretas. Como por exemplo, a Gripe Espanhola, cujo surto foi 1918 e a Peste Bubônica entre 1343 e 1353.

Além disso, a publicação deixa propositalmente de fora outras grandes epidemias, que aconteceram em anos muito distantes das décadas de 20. Como por exemplo, a pandemia de H1N1 que aconteceu em 2009 e vitimou cerca de 18 mil pessoas em todo o mundo.

 Mudanças nos rituais funerários

Não é só a economia e o dia a dia das pessoas que é afetado pelas pandemias. Ao longo do tempo, os surtos de doenças modificaram a maneira como o ser humano se relaciona com a morte.

No Brasil, essa mudança foi percebida principalmente com o surto de febre amarela na metade do século XIX. Segundo a doutora em História pela UFF Cláudia Rodrigues, o impacto da doença foi sentido também nos rituais funerários.
A atitude que antes era de familiaridade entre vivos e mortos, passou a ser contestada pelos médicos sanitaristas, que apontaram as sepulturas como focos de contaminação.

À partir disso, os sepultamentos que antes aconteciam dentro ou ao redor das igrejas passaram a ser afastados dos centros urbanos visando o afastamento dos mortos para evitar as doenças.

Nesse sentido, ocorreu uma mudança nos rituais funerários, já que a medida e a legislação Imperial devido à epidemia, gerou um medo dos vivos em relação aos mortos.

Pandemias: o presidente brasileiro que não assumiu o cargo

A pandemia da Gripe Espanhola, que no século passado vitimou mais de 20 milhões de pessoas, não ficou restrita apenas à Europa. Aqui no Brasil, além de deixar cerca de 30 mil mortos no país, a doença atingiu a figura que teria o maior cargo político: o presidente.
Francisco de Paula Rodrigues Alves, já havia sido presidente do país em um mandato entre 1902 e 1906, e ficou conhecido pela Reforma Urbana do Rio de Janeiro. No entanto, seu segundo mandato que iniciaria no final de 1918, nunca chegou a ser assumido, já que o candidato de 70 anos que já estava com a saúde debilitada foi acometido com a gripe espanhola e faleceu no início de 1919.

As pandemias no ensino de História

Certamente algumas doenças são mais faladas nas aulas de História. Isso se dá, principalmente, pelas mudanças que elas causaram nas suas sociedades. Para isso, é importante que os professores busquem mostrar pros alunos quais foram os aspectos dessas doenças, não só em número de mortos, mas também nas configurações políticas e sociais.

Pensando nisso, deixamos abaixo algumas sugestões de abordagens para realizar durante as aulas:

Idade Média: Peste Bubônica

A palavra peste vem do Latim e começou a ser utilizada para designar a mortalidade elevada causada por alguma doença. De acordo com a médica Rita de Cássia Barata, a pandemia causada pela peste bubônica no século XIV foi uma mistura entre o desconhecimento sobre a doença com uma série de práticas ineficazes que mais pareciam rituais.
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Ilustração com a roupa utilizada para a proteção dos médicos durante a Peste Bubônica.
Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/117445502752752129/
Além dos sintomas da doença, é importante que o professor demonstre aos alunos como ela contribuiu para a transição do sistema feudal para o capitalista. Ressaltando então, como a falta de mão de obra no campo, contribuiu para a substituição do trabalho humano para o uso de novas tecnologias.

Colonização da América

Entre o final do século XV e início do XVI, aconteceu o primeiro contato entre os europeus e os povos nativos da América, o que acabou gerando um desastre demográfico por aqui. É importante que os professor saliente que, esse fator não foi somente devido aos conflitos que ocorreram entre alguns povos, mas também pelas doenças trazidas pelos colonizadores. Doenças essas, como gripe, cólera, varíola e malária, cujos nativos não possuíam anticorpos.

Brasil República: Revolta da Vacina

O movimento popular que aconteceu em 1904 na cidade do Rio de Janeiro, contra a obrigatoriedade da vacinação e o tratamento autoritário do governo, é bastante trabalhado em sala de aula.
Para trabalhar esse tema, nossa sugestão é utilizar o vídeo do historiador e coordenador do Museu Histórico da faculdade de Medicina da USP, André Mota. No qual, ele trata sobre o surto de febre amarela, a atuação do médico sanitarista Oswaldo Cruz e a relação entre a revolta e a Reforma Urbana do Rio de Janeiro.
O vídeo faz parte da série “Epidemias” feito pelo Jornal da USP:


Primeira Guerra Mundial: Gripe Espanhola
A Gripe espanhola foi uma pandemia que surgiu no final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Como se não bastasse todo o impacto da guerra na sociedade, a doença se espalhou pelo mundo deixando cerca de 20 milhões de mortos.
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Fotografia de hospital criado para tratar a gripe espanhola, Kansas EUA, 1918.
National Museum of Health and Medicine, Armed Forces Institute of Pathology
Disponível em: https://drzerocost.com.br/2017/09/da-porteira-para-fora-14p/
Embora tenha esse nome, a doença não se originou em território espanhol. O nome ficou associado ao país devido às constantes publicações da imprensa do país sobre ela, enquanto que os outros países, envolvidos diretamente no conflito, evitavam falar sobre a doença, inclusive censurando os meios de comunicação, para não espalhar pânico entre as tropas.
Abordagem em sala de aula
Independente do assunto, quando se trata de pandemias, é importante que o professor busque demonstrar para os alunos quais os efeitos que essas doenças tiveram em alguns setores das sociedades, como:
Na política dos países: se houve mudança de poderes; se algum grupo político se beneficiou com isso; quais foram as medidas tomadas pelo Estado na contenção da doença.
Na economia dos países: como ocorreu a crise que sucedeu a pandemia; quais medidas foram tomadas para tentar conter a crise; como isso impactou o país; se houve a mudança no modo de produção.
Na cultura: o que a sociedade acreditava ser a causa da doença; como isso mudou as crenças da sociedade; se houve mudanças nos costumes.  

Referências Bibliográficas:

BARATA, Rita de Cássia Barradas. Epidemias. Cad. saúde Pública, vol. 3 nº1. Rio de Janeiro, na/mar 1987.
RODRIGUES, Cláudia. A cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (1849-50). História, ciências, saúde- Manguinhos, VI (1) 53-80, mar.-jun. 1999.
UJUARI, Stefan Cunha. A História da Humanidade contada pelo vírus. Editora Contexto, 2012.
 
Fonte: Nas Tramas de Clio

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